A morte do arquiteto: Parametrização e fabricação digitaL

Como a parametrização e a fabricação digital podem mudar o processo de produção e vivência do espaço?

O meio digital não é a binarização do papel. A parametrização e a fabricação digital devem mudar a relação do arquiteto com o espaço, e não apenas serem seu instrumento – não devem apenas facilitar o processo de produção e vivência do espaço, mas subvertê-lo. Com a parametrização, o espaço ganha abertura, na medida que o arquiteto cede o controle a processos cujo seu domínio é restrito. Cedendo o controle do projeto, ele cede o significado e a interpretação do espaço às demandas de quem o habita. Em certo sentido, todo espaço é aberto pois sua interpretação nunca é unívoca. Contudo, tratamos de uma abertura específica – aquela que, através de meios digitais, retira do autor suas determinações sobre a obra, entregando ao usuário o significado e a interpretação do espaço. Procedimento semelhante operou a música contemporânea que gradualmente cedeu ao intérprete uma notação semelhante aos “jogos de armar”, criou possibilidades combinatórias, zonas de indeterminação, campos probabilísticos: é o caso das obras de Boulez, Berio, Stockhausen, Xenakis, entre outros. 

A abertura do espaço nada diz sobre estética – não há estética da abertura. A abertura diz sobre modos de se relacionar com o espaço. Evidentemente, formas podem ser abertas, por um jogo intercambiável ou por mudanças a partir da interação com o usuário. Contudo, formas fechadas também podem permitir uma abertura em seu conteúdo – não é a forma que concebe a abertura do conteúdo, mas é a experiência do usuário pelo espaço. É esta experiência que fala pelo arquiteto: o espaço aberto nada revela sobre quem o projetou, e tudo revela sobre quem o habita – pois foi por ele concebido. 

Nesse sentido, a parametrização prenuncia a morte do arquiteto: tira de suas mãos a liberdade do usuário e o controle absoluto do projeto. O arquiteto não é mais autor – auctoritas, autoridade – que impõe seu traço sobre a realidade. Morto, o arquiteto cede lugar ao edificador. O edificador constrói o espaço – mas não seu sentido. O sentido do espaço passa a ser construído pela experiência e pela sensibilidade de quem o habita. Surge um espaço multicêntrico, uma tecitura de sentidos coletivos, uma trama de culturas. Com o arquiteto, morre o gênio, a sensibilidade privilegiada, a-histórica, que petrifica o espaço em torno de si, de cima para baixo.  A morte do arquiteto é o nascimento do espaço do usuário.

A morte do arquiteto encontra-se na parametrização como potência, que só se realizará quando o arquiteto se tornar edificador, e quando, através de processos digitais, o edificador ceder o sentido do espaço ao usuário. A sobrevivência da autoria, a resistência do papel sobre o digital, obstaculariza a experiência do espaço. O basbaque tecnológico e o fetiche do arquiteto pelas possibilidades formais geradas pela máquina também obliteram a geração de sentidos múltiplos no espaço, e devem portanto ser superadas.

– ECO, Humberto. Obra Aberta. 1962.

– BARTHES, Roland. A morte do autor. 1967.

http://www.karamba3d.com/rhythmic-embodiment/
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