A Woningwet neerlandesa

Como alguns países da Europa continental, a Holanda passou por um processo de Industrialização relativamente tardio acompanhado de um baixo desenvolvimento social. Por isso, a situação geral do operariado neerlandês era péssima, assim como suas condições de habitação e trabalho. A Woningwet (literalmente “habitação” em neerlandês) surgiu em 1901 como a primeira lei de moradia pública na Holanda – a primeira atuação do Estado na acomodação dos trabalhadores rurais recém-chegados às cidades.

Inicialmente a Woningwet teve uma recepção ruim entre a burguesia imobiliária, por afetar a especulação, entre as administrações locais, por demandar desapropriações e fiscalização, e entre o operariado, por conta das desapropriações das ocupações irregulares. A Woningwet previa uma grande intervenção na vida pública local, até então pautada no liberalismo, demandando planos diretores, estipulando o preço do aluguel, determinando desapropriações, e incentivando a construção habitacional através de empresas sem fins lucrativos. Ao contrário do modelo das leis inglesas, notadamente higienistas, a Woningwet tinha um caráter fundamentalmente urbanista.

A grosso modo, pode-se dividir a questão da habitação social neerlandesa e da Woningwet em três períodos: da criação da Woningwet em 1901 até a Primeira Guerra Mundial (1914); do início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) até 1925 quando a Holanda supera a crise financeira; e o pós-crise em 1925 até o início da Segunda Guerra Mundial (1939).

Se por um lado em seus primeiros anos a Woningwet foi pouco efetiva, o projeto de H. P. Berlage para Amsterdam – o Plan Zuid, aprovado em 1917 – era notadamente progressista. O Plano de Berlage fugia à dominante grelha urbana, assim como escapava do traçado dos cinco grandes canais de Amsterdam. Por isso as renovações urbanas de Paris, Milão e Barcelona no século XIX não são comparáveis às inovações de Amsterdam: Ao invés de subdivir em lotes a propriedade da terra, a Woningwet utilizou o sistema de enfiteuse de seus quarteirões. Sob a enfiteuse, o aforamento da seção do imóvel público pelo enfiteuta não garantia a ele os mesmos direitos de uma propriedade privada, vendável e transmissível, sem, contudo, submetê-lo à exploração do aluguel ou da especulação das construtoras. 

Os projetos de Berlage, em colaboração com arquitetos da Escola de Amsterdam, como de Klerk e Kramer, previam longos quarteirões cuja área interior era de uso comum, coletivo ou semi-privado – criando gradações entre a dicotomia público-privado tão comuns nas crescentes metrópoles. Além disso, os projetos continham os fluxos restritos pelos quarteirões fechados e valorizavam arquitetonicamente as esquinas. A obra de Berlage mediou a passagem da arquitetura holandesa do tradicionalismo ao modernismo e foi extremamente influente nas gerações modernistas posteriores, como na Escola de Amsterdam, no De Stijl e na Nova Objetividade, inclusive fora da Holanda.

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Se para a Alemanha o desfecho da Primeira Guerra levaria o país à crise econômica, às sanções internacionais e ao sentimento de revanchismo que teria consequências catastróficas, o desenrolar da Grande Guerra garantiu vantagens econômica para a Holanda neutra ao conflito. A demanda por matéria-prima e alimentos de seus vizinhos aqueceu imensamente o comércio colonial holandês. Contudo, apesar de seu crescimento, a crise nos outros países europeus impactaria a Holanda na década de 1920. Além da estagnação salarial, o Estado esvaziou-se de capital, inviabilizando o investimento em habitação, o que foi agravado pela subida nos preços dos materiais de construção. Mesmo assim, o Estado interviu diretamente no bem-estar social holandês: garantiu o direito de voto à mulher, o auxilio invalidez e aumentou o controle da exportação de alimentos. Como no New Deal norte-americano, o Estado atuou na recupreação da economia nacional, intervindo diretamente na questão habitacional. Assim, promulgou a lei do inquilinato e ofereceu subsidios aos aluguéis. Em sua fase posterior, a Woningwet seria definitivamente impactada pelo contexto econômico europeu e pela guerra, retirando quase que completamente a atuação do Estado de cena, passando novamente a delegar e a incentivar a ação de cooperativas e empresas. 

Durante o terceiro período da Woningwet (1925-1939), a Holanda passou de uma situação próxima do pleno emprego entre 1927-28, graças, dentro outras coisas, às medidas de incentivo ao setor da construção, para um grave desemprego no pós-crise de 1929 (atingindo índices de até 30% de desempregados no país). O desemprego foi também acompanhado pelo corte de salários e subsídios e pela desvalorização da moeda. Tais situações gravemente adversas levaram a desmobilização da intervenção do Estado, deixando a questão da habitação na Holanda novamente dependente do investimento e da especulação privada no setor da habitação, o que perduraria até as décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, quando toda a Europeu se envolveu novamente em projetos de reconstrução.

Na historiografia da arquitetura –  em autores como Zevi, Benevolo, Curtis, Frampton, entre outros – muito se critica o legado de Berlage e da Escola de Amsterdam. Consideradas muitas vezes “expressionista” ou meramente “estético”, as contribuições do primeiro modernismo neerlandês vão muito além do tratamento formal da arquitetura e avançam muito em relação ao debate tecido no século XIX no que tange as intervenções urbanas e as habitações de interesse social. A atuação de Berlage na Woningwet e a cooperação da Escola de Amsterdam no processo propuseram alternativas viavéis e inovadoras para a habitação em um período de profunda crise econômica e social.

http://www.klaasschoof.com/amst4p6p4.html

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